A Missão feita
de pessoas concretas
- “Madame Martin” – chamava-me o
velho Martin. Como todos os Domingos, antes da missa, lá veio este pobre homem
que, já cego e sem família, faz da nossa casa a sua casa. Chama-se “Madame
Martin”, porque segundo ele, nós ainda vamos casar. É a maneira que ele
encontra de, a brincar, se sentir mais da família.
Claro que, quando somos da
família, podemos permitir-nos de reclamar.
Então, naquele Domingo, a seguir
às saudações enquanto tomava o café (que deve estar sempre bem quente e bem
doce), o Martin começou uma habitual ladainha de lamentações:
- “Tu disseste que vinhas na
segunda-feira lá a casa e não apareceste. Não me mandaste nada para comer. Eu
que estive tão doente e tu nem te importaste…”
A Márcia com grande paciência lá
se sentou a seu lado ouvindo as “queixas” que ele tinha da sua mulher.
Como já nos conhecemos há uns
anos, quando me aproximei e o saudei perguntei-lhe:
- “Então, o que é que se passa?”
- “Ah!” – respondeu ele – “Madame
Martin, eu sei que andas atarefada com a formação dos professores e que tens
visitas em casa, por isso, eu estou a dizer à Márcia que tu não tinhas vindo lá
a casa como tinhas dito, mas que eu percebo muito bem.”
Lá me desculpei como podia
fazendo esforço para não rir da situação.
- “Depois” – continuou ele – “se
tiveres aí alguma coisa para a diarreia tens que dar-me é que sabes, como não
ando a comer bem, ando meio doente.”
Percebida a mensagem, disse-lhe
que falávamos – como sempre – depois da missa.
Quando a missa terminou, como
habitualmente, o grupo de S. Vicente de Paulo dividiu as ofertas pelos pobres
e, claro, o nosso Martin recebeu o que tanto esperava.
Chegou a nossa cozinheira e,
sempre disposta para a brincadeira, começou a dizer ao Martin:
- “Estás com sorte hoje. Eles
deram muitas ofertas na missa.”
- “Não foi nada na missa. Foi a
minha mulher que me deu.” – respondeu ele sorrindo
- “A tua mulher?” – continuou ela
– “A Susana vai é casar com o meu bebé. Aliás, como é que tu pensas conseguir
pagar o dote?”
Entre disputas cheias de
gargalhadas de parte a parte, vendo a hora que passava, peguei no Martin pela
mão e disse-lhe:
- “Ah, Martin, vai-te lá embora
que o que ela tem é ciúmes.”
Todo contente de toda esta
atenção, lá se levantou para regressar a casa. Mas, como nestas idades há
coisas que nunca falham, enquanto o acompanhava ao portão, Martin fez ainda uma
ladainha de pedidos que eu deveria aceder durante a semana.
Claro que não poderei dar
resposta a todos eles, por isso, no próximo Domingo, como todos os Domingos,
ainda me vou divertir com este velhinho que desde sempre vem à Missão.
Cada vez que vê uma de nós
regressar ao seu país, este pobre chora a despedida. Não que o tratemos
diferente dos outros pobres mas, como diz ele: “Eu sou um grande missionário
como vocês por isso é que me custa vos ver partir! Vocês são a minha família!”
São estes nadas partilhados com a
família que formamos cá deste lado que vão dando sentido à Missão. São estes
rostos cheios de histórias e de experiências de vida que nos alegram e dão
força para seguir em frente nesta missão que Deus nos confiou e confia em cada
dia.