A 1.000KM DE CASA…
Os últimos
meses têm sido de grande emoção: a chegada da Márcia, a partida da Márcia para
aprender o sango, as primeiras reuniões paroquiais com os responsáveis das
capelas e a nova comunidade de combonianos que se instalou a Mongoumba, os
quase 20.000 “refugiados” vindos do Congo e as dezenas de ONG’s que aqui se
instalaram…
Longe de nos
deixar-mos levar pelo cansaço e aproveitando os 12 anos de presença dos LMC em
Mongoumba, decidimos levar a cabo a primeira Assembleia Geral de LMC na RCA.
Esta
Assembleia pretendeu recuperar a história dos LMC em Mongoumba e fazer uma
avaliação do caminho que percorremos: o passado, o presente, o futuro imediato
e as perspectivas de futuro. Aproveitamos também este tempo para debater algumas
inquietações que existem a nível do Instituto Comboniano ; inquietações que
ressurgem no último Capitulo dos MCCJ e que nos parecem pertinentes (a carta
comunitária ; a animação missionária ; a promoção do lacado africano…)
Como a Márcia
faz o estudo de sango em Kembe (numa comunidade de irmãs combonianas, a 850km
de Mongoumba), aproveitamos para chegar até Bangassou (a 1.000km de casa) para
esta Assembleia.
Desta
Assembleia surgem vários documentos que serão revistos e oficializados que
depois colocaremos à vossa disposição, mas, pelo momento, cá ficam as aventuras
da viagem e dos bons momentos livres que passamos a leste deste país.
A aventura
começou antes de deixar Mongoumba. Na verdade, no dia em que tínhamos previsto
partir, o bac estava avariado e não podemos atravessar o rio… No dia seguinte,
depois de várias tentativas para o fazer, o chefe do bac comunica-nos que não
nos poderá passar, porque ainda continuam os trabalhos para arranjar o bac.
A Augusta já
com vontade de regressar, conseguiu ver os frutos da sua paciência. Uma
autoridade chegou e, claro, como nestes casos dá-se sempre um jeito, lá
conseguimos, atravessar o rio.
Chegamos a
Bangui pouco antes do meio-dia. Estávamos cansadas e ainda faltavam 800km a
percorrer. Entramos na casa provincial, comemos e seguimos viagem (não sem
antes fazer umas comprinhas para a Márcia).
Quatro horas
depois, (sempre por uma estrada desconhecida), chegamos a Grimari. Uma paróquia
onde estão os combonianos. Eram já quase cinco da tarde e o sol já estava a esconder-se.
Perguntamos se haveria espaço para nós e, com um sorriso aberto disseram-nos:
“para vocês haverá sempre lugar!”. Graças a Deus! Nós já estávamos bem
cansadinhas dos 500km que tínhamos percorrido! Com a comunidade (que se
encontrava com o provincial), rezamos, comemos e, depois de passarmos alguns
momentos juntos, sem demoras, fomos deitar-nos.
Eu fiquei no
quarto com a Maria Augusta. Atirámo-nos para a cama e já com a luz apagada a
Augusta levantou-se para ir buscar água. Mal abriu a porta do quarto, ouvi o
Padre que lhe dizia: “Augusta, olha para o carro, vocês têm um furo.” Eu, sem
me mexer da cama, só pensei: “graças a Deus que foi aqui e não no meio da
estrada!”
Pronto, no dia
seguinte, como desde o início da viagem, lá atrasamos a partida. O pneu foi
arranjado e, quase duas horas depois do previsto, lá continuamos o caminho.
A estrada
estava bastante perigosa, a areia era muita e era suficiente um pouco mais de
velocidade para o carro deslizar, tinha também muitas curvas e muitas lombas, subidas
e descidas intermináveis que faziam ora “morrer” o carro ora aumentar a
velocidade… a visibilidade era nula e a seguir a uma lomba nunca sabíamos o que
íamos encontrar… Para o trajecto, tentamos fazer sempre uma média de 200km cada
uma de maneira a, sem pararmos, irmos descansando da condução. No entanto, a
Augusta apanhou sempre os piores lugares da estrada. Para mim ficou só uma
aventura com um galo que tentou atacar o carro e acabou por se esborrachar
contra o pára-brisas.
Entre as 15
barreiras que passamos, conto-vos o que se passou a 680km de casa. A Augusta
conduzia, um calor abrasador fazia-nos estar mais cansadas do que era previsto.
A sede era muita e a água que tínhamos estava tão quente que se juntasse-mos
umas ervas dava para fazer chá! Eis que nos aproximamos da barreira. Só mesmo a
2 metros
dela é que tínhamos sombra. A Augusta, claro, parou na sombra, mas, o militar
que controla a barreira, achou que nos aproximamos demasiado. Começou a gritar
e a mandar-nos recuar. A Augusta assim fez. Ele aproximou-se de nós sempre a
gritar e nós pedimos desculpa tentando explicar que só queríamos aproximar-nos
da sombra. Nada a fazer. Ele gritava cada vez mais. Não aceitava nem
explicações nem desculpas. Depois, num tom de poucos amigos, pediu a carta de
condução à Augusta (quase sempre quando pedem os documentos é multa certa). A
Augusta deu-lhe. Ele olhou para a carta e perguntou: “Maria Augusta, é você?” A
Augusta disse que sim. Não sabemos porquê mas, ele abriu um sorriso enorme,
desejou-nos boa viagem e deixou-nos passar…
Como já vem
sendo hábito, sempre rezamos o terço e nos confiamos nas mãos de Maria para que
a viagem se passe pelo melhor.
Seis horas
depois de deixar Grimari, chegamos a Kembe. As irmãs acolheram-nos de braços
abertos e, depois do almoço e já com a Márcia connosco, continuamos viagem.
O céu começou
a escurecer… o vento assobiava e fazia as árvores agitarem-se… em plenas três
horas da tarde tivemos de acender as luzes (mais uma vez a Augusta a conduzir).
Caíram as primeiras gotas… e logo outras se seguiram com violência. Começamos a
rezar o terço mas, logo a seguir ao primeiro mistério, a violência da chuva e
do vento era tal que não podíamos continuar. Os buracos da estrada enchiam-se
de água e subiam até ao pára-brisas como um tsunami
que nos engolia tirando-nos a visibilidade e fazendo o carro deslizar.
Paramos num
lugar longe das árvores e continuamos a rezar o terço. De um lado, as casas
pareciam ilhas no meio de tanta água que se ia estagnando entre elas, do outro
lado da rua, uma Igreja… nos meus pensamentos, o salmo 144 «O que é o homem para que te lembres dele? O
filho de um homem para que contes com ele? O homem não é senão um sopro…». O
barulho da tempestade era tal que quase não nos conseguíamos ouvir. À porta de
casa mais próxima, olhos curiosos tentavam perceber se quem vinha no carro iria
passar ali a noite…
Estávamos já
no quarto mistério quando a chuva acalmou um pouco e o céu ficou um pouco mais
claro. Arriscamos continuar. A chuva parou. Parecia que não haveria mais atrasos,
afinal só faltavam 35km. Finalmente chegamos a Bangassou, onde o bispo tinha
ficado de nos receber, o bispo tinha partido e parecia que alguns imprevistos
nos deixavam quase sem sítio para dormir. Claro que isso não aconteceu. Graças
às irmãs de Gran Rio e aos Combonianos aí presentes, lá jantamos e dormimos
descansadas. No dia seguinte, instalamo-nos no espaço onde o bispo tinha
reservado para nos acolher.
Devo dizer
que, a preocupação do bispo (que tentou nos acompanhar sempre através do
telemóvel), o acolhimento das irmãs de Gran Rio e a disponibilidade dos padres
combonianos, encheram-nos de alegria e fizeram-nos sentir de verdade orgulhosas
da Família Cristã a que pertencemos.
No último dia da Assembleia, visto que já
estávamos mais livres, fomos, com os padres combonianos, visitar os vários
projectos da Diocese: a escola técnica (costura, agricultura, apicultura e
carpintaria), o “Bom Samaritano” – que é um centro para leprosos, para doentes
de Sida e para idosos acusados de bruxaria. Com a irmã Marcela – Gran Rio –,
fomos à prisão e participamos no encontro semanal que ela faz com os presos.
Foi bom sentir o pulsar da pastoral aqui deste lado. Na verdade, tanto Gran Rio
como Combonianos, na sua humildade e pobreza, mostraram a riqueza de coração
que eles oferecem cada dia a este povo.
Caso pensem
que as aventuras do carro terminaram, enganem-se! Neste último dia, para
visitar-mos todos estes projectos, pegamos no carro, ou melhor dizendo,
tentamos pegar no carro… como ele não deu sinais de vida, chamamos o mecânico
para carregar a bateria. Saímos e, uma hora depois, estávamos a empurrar o
carro!
A ponto de
regressar a situação apresenta-se bastante confortável: a bateria do carro está
completamente descarregada, o gasóleo acabou na bomba de gasolina desta terra e
nós só temos mais 1000km a fazer para chegar a casa. Mas, com fé, esperança,
alegria e espírito desportivo, o regresso a casa, será certamente uma história
para outro dia.